Capítulo 3 Proposição XII
A alma esforça-se, tanto
quanto pode, por imaginar as coisas que aumentam ou facilitam a potencia de
agir no corpo.
Demonstração: A alegria é o sentimento de passagem para uma
potência maior de ação e de pensamento. Para tal, a alma pode
considerar que um corpo esteja presente (mesmo que este não esteja) com o fim
de aumentar ou facilitar a potência de
agir do nosso corpo. Consequentemente, durante este tempo, a potência de pensar da alma também é
aumentada ou facilitada. E, portanto, a alma se esforça o tanto quanto pode
para imaginar o seu objeto desejado, isto é, fantasia essa presença para
motivar a si própria.
Proposição
XIII
Quando a alma imagina
coisas que diminuem ou reduzem a potência de agir do corpo, esforça-se, tanto
quanto pode, por se recordar de coisas que excluem a existência dela.
Demonstração: Considero o amor como a alegria que acompanha a
ideia de uma causa exterior (por exemplo, a presença de alguém), e o
ódio como a tristeza acompanhada da ideia de uma causa exterior. Aquele
que ama se esforça por ter presente e conservar aquilo que ama; e, ao contrário,
aquele que odeia esforça-se por afastar e destruir a coisa que odeia. Daí se
segue que a alma repugna imaginar coisas que diminuem ou reduzem a sua própria
capacidade e a do corpo.
(...) Proposição
XXXIII
Quando
amamos alguém, esforçamo-nos, tanto quanto podemos, por fazer com que, por sua
vez, ela nos ame também.
Demonstração: Se amamos uma coisa acima de todas as outras, quando
não estamos com ela, esforçamo-nos por imaginá-la, tornando-a presente
em nossa consciência como motivação. E quando a encontrarmos, tentaremos, pois,
a afetar com alegria, isto é, fazê-la sentir uma alegria acompanhada de um
pensamento de que somos nós (causa externa) que a deixamos assim,
em outras palavras, esforçaremos para que ela também nos ame. Desta
maneira, esforçando para que o amado fique conosco, supomos poder conservar a
nossa alegria.
(...) Proposição
XXXV
Se alguém imagina que a
pessoa amada se une a outro, de forma igual ou ainda mais intensa do que faz
com ela, terá um sentimento de ódio pela pessoa amada e invejará o outro.
Demonstração: Quem ama, imaginará, o tanto quanto for possível, o
objeto de desejo unido a ele o mais estreitamente possível; e esse
esforço ou apetite é ainda aumentado se ele imagina que outro deseja para si tal
objeto. Contudo, esse esforço ou apetite será reduzido quando houver uma
percepção de que a pessoa amada está junto a outro. Neste caso, será afetado
por tristeza, entendendo que o objeto de desejo é a causa deste
sentimento, e por inveja, em relação à outra pessoa que é amada no seu
lugar, uma vez que essa terceira pessoa se deleita com o seu objeto de desejo
impedindo-a de fazer o mesmo ou deixando-a com receio de que deixe de ser
amado.
Esse
ódio para com o objeto de desejo (a pessoa que amamos que se une a outro),
junto com a inveja para com aquele que usufrui dele, se chama ciúme, o
qual, por consequência, não é senão a flutuação da alma entre o amor e o
ódio, acompanhado da ideia de um outro de quem se tem inveja. Além
disso, esse ódio para com o objeto de desejo é maior na proporção da
alegria que o ciumento sentia quando tal pessoa lhe dedicava carinho, e
também na proporção do sentimento de amor que sua pessoa desejada nutre para
com o novo indivíduo, com quem ela se juntou. Com efeito, só pelo fato de
odiar este último, odiará também a pessoa que se ama, pois imagina-a
afetando de alegria aquele que ele tanto odeia; e também porque é forçado a
associar a imagem da pessoa amada com a imagem daquele que odeia e inveja.
Proposição
XXXVI
Aquele que se recorda de
uma coisa com que uma vez se deleitou deseja possuí-la com as mesmas
circunstâncias que da primeira vez em que se deleitou com ela.
Demonstração: Quando alguém se sente alegre, é comum associar este
sentimento a toda circunstância em que se deu tal alegria. Logo,
desejará possuir tudo novamente, isto é, reconstituir todas as circunstâncias
que a fizeram bem da primeira vez. Portanto, o desejo provém da memória de um
prazer mais a interpretação de quais foram as suas causas.
Entretanto,
se aquele que ama descobre que uma dessas circunstâncias falta, imaginará que a
causa de sua alegria está ausente e, portanto, ficará triste. A tristeza, no
que diz respeito à ausência do que amamos, chama-se desejo frustrado.
Modesto comentário do professor
Podemos concluir, a partir de uma leitura de
Spinoza, que o desejo mal conduzido
pode desembocar tanto no medo quanto na frustração. A frustração sempre é fruto
da expectativa. E a expectativa, ou esperança, é uma alegria instável nascida de uma lembrança ou de uma fantasia
sobre o futuro. Curiosamente, há uma forte similaridade entre a esperança e
o medo, como podemos perceber na definição de Spinoza sobre o medo: uma tristeza instável nascida de uma lembrança ou fantasia...
Desta forma, apenas estaria exposto à ira ou
ao temor aquele que, desfortunadamente, cria ideias que levam o seu próprio
desejo a se perder em situações desagradáveis. Por outro lado, o filósofo, isto
é, aquele que busca com afinco a sabedoria sobre si mesmo, aprende a utilizar a
razão de forma a dar vida às suas
paixões mais fortes e, portanto, busca sempre nutrir o desejo por aquilo que lhe faz bem, e por isso se torna
cada vez mais alegre e menos receoso.
E essa via de conhecimento passa, por exemplo,
pela constatação de que o amor é sempre
mais vantajoso do que o ódio. Tratemos de justificar esta conclusão clichê.
O amor consiste em aprender a se sentir
alegre, apostando na companhia de
coisas accessíveis – geralmente, quem não ama é porque se acostuma a visar
situações impossíveis ou inacessíveis; enquanto que, o ódio, o desejo de
promover dano a outro que interpretamos como causa de nosso sentimento de
fraqueza, sempre parte de uma ideia
equivocada sobre como alcançar a felicidade. Portanto, não é alguém, mas
somente a ignorância que pode estagnar as nossas potências para viver,
fazendo-nos ficar odiosos enquanto poderíamos ser implacáveis amantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário